sexta-feira, 14 de março de 2014

Ela...



Ontem assisti Ela. Minhas expectativas estavam altas, porque ouvi coisas muito boas sobre o roteiro e, como raramente acontece na vida, minhas expectativas não foram em vão.

Eu já tinha certeza, nos primeiros 10 minutos, de que esse filme me mudaria - ou daria um tapa na minha cara. O filme retrata de uma forma magnífica a forma como o mundo funciona hoje em dia, apesar de ser futurístico. As cores são pastéis, não existe muita firula, não tem carro voando...

No início, fica muito claro que o protagonista é solitário. Tem conversas pontuais com as pessoas, vive relembrando de momentos com uma mulher (logo descobrimos que ele está em processo de divórcio) e ele não toca em nada nem ninguém. Quando quer mudar uma música, ele pede que o "celular" ou algo que está conectado à sua orelha como um fone de ouvido, o faça para ele, assim como ler e-mails e checar seus compromissos. No início eu pensei: "meu, que genial! Será que um dia a gente chega a esse ponto?".

Durante o filme, nós vemos de tudo: amor unilateral, amor recíproco, traição, desespero, ilusão, adeus...O mais engraçado - ou não - é que atualmente nós já somos consumidos pela tecnologia retratada no filme. Não existe mais espontaneidade. Por exemplo: "não sei onde vou comer... ah, posso olhar no site x que ele dá várias dicas de restaurantes". Cadê o: "para ai nesse lugar, tá com cara de que é gostoso", mesmo saindo de lá de barriga vazia e frustrado.

Nós temos inúmeros aplicativos que ajudam a conhecer pessoas novas (com diversos objetivos). Pessoas essas, que você não sabe absolutamente nada, mas que em um momento ou outro acabam fazendo parte da sua vida. Você não sabe o quão real aquela pessoa é. Entra então a ilusão. Você cria uma pessoa com a aparência daquela foto que você viu, você molda uma personalidade pra pessoa pautada em alguns assuntos pontuais que vocês tiveram. Você cria uma imagem, achando que aquela é a pessoa que você sempre estava procurando e que finalmente encontrou, graças à tecnologia. Bullshit. E não tem porque culpar o outro, nessas situações. Todos nós parecemos pessoas melhores quando não estamos em contato direto com o outro. Somos muito mais legais, bonitos e compreensivos pelas redes sociais. Essa é ditadura que vivemos atualmente. É hipocrisia dizer que isso não é verdade. E é uma hipocrisia maior ainda fingir que não fazemos isso.

No final do filme, o protagonista perde o contato com Samantha  (o sistema), depois de terem 'discutido'. Ele não consegue falar com ela, e aparentemente o sistema solicitado não existe mais. Theodore entra em desespero. Ele sai correndo, tentando fazer o sistema voltar a funcionar. Ele entra em desespero porque acha que perdeu a Samantha. Ele corre, cai, chora... Theodore já havia ficado em dúvida sobre Samantha e sobre o relacionamento deles. Deu "um gelo", pra poder pensar.. O caso dos dois acontece todos os dias: as pessoas dão um gelo, agem de forma estranha e "fora do normal", esperando que o outro interprete da forma que eles querem. E aí, em determinada etapa, há uma discussão, há brigas, há choros, há tristezas... de ambas partes, de uma, de outra... É assim que o ciclo funciona.

Voltando ao filme: quando ela volta, eles conversam um pouco sobre o sumiço (necessário, porque ela foi se atualizar). Nessa conversa, ele percebe que não é o único na vida de Samantha. E aí ela diz algo como: 'é complicado... eu ia te contar... eu não sabia como dizer"... Familiar, não? Não acho que exista nada pior que essa maldita frase. Pra mim é sempre menos complicado do que a pessoa diz que é. É muito fácil dizer: "olha, não se iluda, tô com você mas também tô com mais outras oito mil pessoas. Igualmente apaixonado pelas outras oito mil pessoas". O nome disse é jogo limpo.

Samantha vai embora. Depois de um adeus triste, ela vai embora. Depois de uma declaração de emocionar qualquer megera, de arrancar lágrimas e deixar com inveja, ela vai embora. Obviamente, você percebe no rosto de Theodore que ele tá sofrendo. Partidas são dolorosas. Adeus são dolorosos. Nós levamos pouco tempo pra nos acostumarmos com algumas coisas e, quando elas são tiradas de nós, dói. E achei lindo a forma como esse sentimento foi transmitido no filme.

Eu me senti no lugar de Theodore. Eu me vi em Theodore. Os sorrisos, gargalhadas e suspiros olhando pra tela de um celular.
Tudo o que acontece, do início ao fim durante o relacionamento dele com Samantha, com a ex, com os amigos, com colegas de trabalho, com as pessoas na rua, é exatamente tudo o que acontece hoje em dia com a maioria das pessoas.
Todos os relacionamentos são dessa forma. Uma das partes sai magoada. Uma das partes mente. Uma das partes tá mais disposta a dar certo que a outra. Uma das partes é mais ou menos sincera, porque é mais ou menos necessário que assim seja.

No fim do filme, a única coisa que eu conseguia pensar é que o sentido do que é real tá na nossa cabeça. O que é real pra mim, pode não ser pra você e vice-versa. É a mesma coisa que o conceito de certo e errado. O conceito do real é unicamente meu. Talvez a ilusão criada em relacionamentos que nunca existiram e a expectativa que eu criei em cima de pessoas que eu mal conhecia são uma realidade exclusiva minha. Achei que aquilo era real. Achei que aquela pessoa era real. Achei que a situação era real. Achei que a reciprocidade era real. Ninguém tem culpa. O outro não tem culpa. A realidade criada foi minha. Fruto da minha imaginação, das minhas vontades e desejos pessoais.

Bom, eu não vou contar detalhes do filme. Assista. Os diálogos são excepcionais. O roteiro é lindo. O filme é lindo. Mas assista com um lencinho, no caso de ser chorona igual a mim. Boas lágrimas foram derramadas durante os 90 minutos...