domingo, 17 de maio de 2015

Comparações

Quando se tem muitos irmãos, as comparações são sempre inevitáveis. Até porque sempre vai ter um mais inteligente que você, mais bem relacionados que você, mais obedientes que você, mais comportado e consciencioso que você... 

Na minha vida funcionou pretty much like this:
- Sua irmã estudou música e toca super bem, se você quer, tem que fazer a mesma coisa.. Aí, dá-lhe estudar enlouquecidamente tudo o que eu podia pelo menor tempo possível pra mostrar pra todo mundo que eu era melhor e que tinha capacidade de tocar muito mais rápido. Primeira "vitória": entrei no conservatório mais renomado da América Latina.
- Depois veio a história de que "sua irmã fala outra língua, e você, tá estudando, tá treinando, tá se dedicando"? Dá-lhe comprar livros, CDs e o caramba a quatro e estudar sozinha pra tirar isso da frente. Pronto, super autodidata, tem inglês avançado, se vira super bem e já começou a estudar outras duas línguas, por falta de uma. 
- A situação piora quando você tá fazendo vestibular e fica sabendo que sua irmã tirou a nota mais alta do ENEM em mil novecentos e bolinhas em todo o estado do Amazonas.. Como funcionou o diálogo interno: "como é que eu vou superar isso mano? Ela competiu com dez pessoas e eu tô em São Paulo, competindo com um monte de gente dos melhores colegios e escolas da região.. Ai, que saber, foda-se. Eu só vou fazer isso aqui, tentar uma nota boa nos vestibulares que eu quero e torcer pra conseguir uma bolsa em alguma delas". Bolsa integral, último semestre de RP. Primeira formada de verdade na família.
- Na faculdade param as comparações com irmãos e começam as comparações com seus colegas: "essa vaga de estágio aqui é boa, mas todo mundo da sala se candidatou... no que será que eu sou melhor que eles? Putz, essa menina tá numa empresa boa, será que ela vai se efetivar antes de mim? Meu, como é que eu vou provar pra minha chefe que eu sou melhor que ele e por isso a vaga efetiva tem que ser minha e não dele?". Efetivada, multinacional, reconhecimento e uma vida profissional bem feliz e satisfatória, principalmente pra alguém que só tem 22 anos.
- Aí você conhece alguém legal: "gente, se eu rir desse jeito ele não vai gostar de mim porque eu não sou contida o suficiente.. será que a ex era melhor? se eu falar desse jeito pode ser que ele me ache mais legal que as outras.. se eu falar menos eu vou parecer menos chata que as outras.. se eu fingir que não me importo vou parecer mais interessante que as outras..." (deixemos isso em aberto por hora)...

Não dá pra culpar só a família por isso. Quem não faz comparações, não é mesmo? Hipocrisia seria dizer que conseguimos aceitar qualquer pessoa com os defeitos e características de fábrica: "tenho que achar alguém que faça engenharia ou administração, porque não posso ter alguém sem um futuro certo, também não pode votar no PT senão meu pai não vai gostar, nem pode usar crocs porque meu irmão vai zuar, ou escutar pagode senão meus amigos me batem.. Mas mesmo, sério, sem brincadeira, ele tem mesmo que ter a risada do ciclano!" 
É uma grande ilusão dizer que um dia você vai achar alguém que seja feito sob medida pra você, com todos os atributos certinhos que você estabeleceu baseado em inúmeras comparações que seus ciclos sociais já levantaram, e até porque ser humano não é uma Harley Davidson que você personaliza. A bagaça já vem personalizada...

Cheguei a conclusão que definir minha vida baseada em comparações sempre foi, na verdade, muito cansativo. Isso me tira o sono porque cansa querer provar que eu consigo, cansa querer provar que eu também posso e cansa querer provar que eu mereço viver a minha vida do jeito que eu acho que tenho que viver a minha vida, com meus próprios objetivos. Não é por atenção, não é por aceitação... Não é e nunca vai ser. Comparações são destrutivas e a vida não precisa ser pautada nelas. Sentimentos ruins são parecidos com aquele feijãozinho que você planta no algodão e que você só dá importância quando o potinho de danoninho já não comporta o feijãozinho que se desenvolveu significativamente.

Quando percebi que minha vida era mais do que só conquistar as mesmas coisas que me eram impostas por meio de comparações, tudo mudou. Meus relacionamentos familiares mudaram. A vida fez mais sentido. O que eu quero e gosto, ficou mais claro.
Deixa só pra comparar os restaurantes, os bares e os batons novos, vai Ana...